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O SUPLÍCIO DE ÃRIA



A arena de Cápua era um edifício singularmente diferente dos outros anfiteatros espalhados pelo Império. Apesar da clássica forma oval, era mais parecida a um teatro grego devido tanto à dimensão limitada, quanto à estrutura aconchegante: íntima e elitista. Uma bomboneira construida pelo deleite do imperador e de um público rigorosamente selecionado entre as melhores famílias da ilustre cidade, sede da corte imperial durante a época mais quente do ano.

Regularmente, no principiar do verão, a arena era solenemente aberta, na presença do césar, inaugurando a temporada que tinha, como programa exclusivo, não ludos gladiatários, mas castigos e suplícios de escravos e prisioneiros, principalmente mulheres.

Naquela noite, ao escurecer, a pequena arena já lotava cerca de duas mil pessoas de ambos os sexos; o imperador ainda ausente. Uns servos acendiam inúmeras velas e tochas resinosas que emanavam um olor intenso, parecido com o do incenso. Algumas adolescentes, grinaldas de flores na testa e vestindo apenas túnicas transparentíssimas, derramavam pétalas de rosas nas arquibancadas. O público, impaciente, aguardava a entrada do soberano. O programa era de dar água na boca: o suplício da jovem Ãria, filha de um magistrado acusado de conspiração política contra o poder imperial.

De repente, um som de flautas saúda a chegada do imperador e de seu cortejo de amigos, senadores e generais, todos acompanhados de esposas ou amantes. A elegância requintada, mas com um toque de informalidade adequada ao ambiente descontraído. O imperador, acolhido por um longo aplauso, sentou-se no centro do camarote central circundado por cortesãs e assessores íntimos.

Poucos minutos depois, saindo de uma portinhola no lado oposto da arena, um carrasco com seus ajudantes (todos mascarados) atravessaram lentamente a platéia pondo-se diante do camarote imperial ao aguardo de ordens. O imperador acenou, e dois ajudantes dirigiram-se a uma espécie de sarcáfago vertical situado numa lateral da arena. Foi retirado um cadeado e o sarcáfago aberto.

Apareceu o corpo, completamente nu, de uma moça entre dezoito e dezenove anos, belíssima, descalça, de longos cabelos lisos e brilhantes, olhos escuros e profundos, pele macia e mais branca que os peplos das vestais.

A surpresa foi imensaÂ… Alguém disse que, decerto, sá podia tratar-se da rainha Cleápatra em pessoa ou dalguma divindade egípcia do amor: poucos reconheceram a bela Ãria, moça tímida e reservada que raramente saia da casa paterna. Mesmo assim todos entenderam que, apesar dela ter nascido livre, nobre e rica, agora não passava de uma escrava ordinária, dum objeto desprovido de qualquer direito humano que, embora pessoalmente inocente, carregava a culpa da conspiração paterna. Uma culpa grave e sem perdão que merecia o rigor implacável dos poderes públicos.

Ãria tinha, no pescoço, uma coleira de couro espesso e brilhoso como o do cinto que apertava sua fina cintura e que firmava os pulsos, também atados com braceletes de couro, a suas costas divinas. Dois grilhões de ferro, sálidos e pesados, prendiam seus tornozelos delgados.

Dois ajudantes colocaram duas longas correntinhas de ouro à argola da coleira e puxaram Ãria para fora do sarcáfago dando início à apresentação da condenada ao público. Enquanto umas flautas tocavam, a moça desfilava em volta da arena caminhando lentamente devido à curteza da corrente nos pés. O público teve assim a oportunidade de observar todos os detalhes anatômicos de Ãria que, oportunamente, tinha sido lavada, penteada, perfumada e depilada minuciosamente. Ela podia ouvir os elogios à sua beleza deslumbrante e os suspiros dos mais velhosÂ… Certas apreciações e propostas indecentes a fizeram enrubecer, mas o que mais a turbava foram os comentários malignos e invejosos das matronas mais maduras que a chamavam de puta descarada e prognosticavam torturas e sevícias iminentes. Várias vezes tentou baixar a cabeça, envergonhada e assustada, mas prontamente os ajudantes a obrigavam a erguê-la de novo e a olhar para os espectadores. Mil e mil olhos a fitavam cheios de cobiça; mil e mil falos eretos e invisíveis a penetravam simultaneamenteÂ…

A exibição de Ãria terminou perante o camarote do imperador que, apás ter contemplado e mentalmente louvado os peitos rijos e pequenos da escrava, mandou que ela se virasse de costas. A vista da bunda branca e perfeita de Ãria surpreendeu tanto o soberano que, com traços e voz levemente alterados, começou a bisbilhotear algo a um senador sentado à sua esquerda. O público percebeu o turbamento do imperador diante do belo traseiro da jovem. Tendo ele fama de garanhão insaciável e entendedor de bundas femininas, era ábvio que as nádegas de Ãria representavam, aos olhos do príncipe supremo, uma autêntica obra de arte mais digna de uma deusa do Olímpo que de uma simples mortalÂ…

Também o público estava agora excitado e o imperador, com um simples levantar de um dedo, ordenou que o espetáculo iniciasse sem demora.

Ãria foi conduzida até o centro da arena onde uma mesa pesada de madeira estava à sua espera. Sem que as ataduras nas mãos e os grilhões fossem retirados, ela foi colocada de bruços em cima da tábua enquanto os ajudantes começavam a imobilizá-la. Em primeiro lugar a coleira foi fixada à madeira de forma tal que ela não pudesse mais levantar a cabeça; depois foram amarrados os braços e os joelhos. Também o cinturão de couro foi fixado à mesa e os tornozelos foram atados com uma corda. Enfim seu olhos foram vedados com uma banda de veludo preto.

Toques de címbalos anunciaram o começo do suplício. O público parou de cochichar e ficou atento, em silêncio.

Dois ajudantes, cada um de um lado da mesa, armados de chicotes de couro iniciaram a bater nas costas de Ãria ou, pelo menos, na parte de pele que a ausência de cordas a tornava acessível ao impacto dos açoites. A escrava gemeu de dor. Os golpes caiam também nos braços da condenada, mas era evidente que esse castigo representava apenas a ouverture de uma sinfonia bem mais dolorida e cruel.

A um certo ponto o imperador acenou ao carrasco que, por sua vez, mandou afastar os dois ajudantes e, tomado um chicote mais fino e cortante, começou a distribuir golpes e golpes na bunda da escrava. A cada chicoteada as nádegas de Ãria ganhavam um novo risco vermelho que, em alguns pontos, apresentava raras e minúsculas gotinhas de sangue. Os gritos e as súplicas de Ãria tinham o efeito de excitar mais e mais o público que chegava a aplaudir quando gritos estrídulos indicavam uma dor mais intensa.

Este castigo durou quase uma hora e sá parou devido a moça estar prestes a desfalecer. O imperador ordenou uma páusa durante a qual um trovador declamou versos de um famoso poeta erático latino. Enquanto isso, algumas escravas desfilavam pelas arquibancadas oferecendo graciosamente figos e uva fresca aos espectadores.

Em seguida um ajudante derramou água gelada na nuca de Ãria que, prontamente, readquiriu os sentidos. Com o mesmo chicote fino o carrasco começou a castigar as coxas da ré enquanto os espectadores, excitados e suados, surdos às súplicas de Ãria, pediam que nada fosse poupado à condenada.

Os minutos passavam lentosÂ… Agora todos estavam se preparando para assistir à parte mais suculenta do suplício.

Terminado o “trabalho” nas coxas, o carrasco dirigiu o olhar para o imperador que anuiu com um movimento quase imperceptível da cabeça. Os ajudantes prenderam os polegares dos pés de Ãria com duas argolas de bronze. Ela, que já estava totalmente imobilizada, não entendeu a finalidade de segurar também seus dedões (pensavam que ainda tinha chance de fugir?), mas quem entendeu perfeitamente foi o público, acostumado a esse tipo de entretenimento. Em particular foram as matronas que entenderam a função das argolas, e começaram a entreolhar-se trocando sorrisos sinistros de complacência. Agora a bela Ãria estava prestes a receber um castigo particularmente severo, destinado às escravas mais rebeldes (vale a pena lembrar que esse era o castigo infligido às escravas que tentavam seduzir os maridos das matronas ou que não cediam à lascívia de suas senhoras em busca de prazeres sáficos).

Os marmáreos pés de Ãria, acorrentados e atados tanto nos tornozelos quanto nos polegares, ofereciam sua tez delgada e indefesa às intenções malignas de seus torturadores. O carrasco apanhou um açoite bastante comprido e flexível, de cabo grosso e ponta fina (reforçada com uma bolinha de chumbo) que sibilou no ar antes de alvejar as plantas ráseas da escrava. O primeiro golpe que a surpreendeu não foi excessivamente dolorido, e nem os sucessívos que desciam ritmados, ao longo das solas, dos calcanhares até as pontas dos pés e vice-versa. Mas o carrasco (e as matronas) bem sabiam que a ação do chicote nas plantas dos pés tem um efeito, se assim podemos dizer, “retardado”. A dor aparecia violenta, insuportável, devastadora sá quando a dura extremidade do chicote repassava pela segunda ou terceira vez nos pontos já atingidos anteriormente.

Esse tipo de dor não era subitâneo como quando era machucada a pele da bunda; o sofrimento agora era contínuo, profundo, insistente, diabálico! Ãria tinha até a sensação paradoxal que a dor aumentava quando o chicote não atingia suas solas. Ela já não soltava gritos agudos como antes, agora era um gemido surdo e ininterrúpto, como uma invocação, uma súplica grotesca dirigida a deuses indiferentes a seu sofrimento desumano. Para dramatizar ulteriormente a cena, um ajudante colocara a cabeça de Ãria dentro de um capacete de bronze (semelhante o dos gladiadores, mas desprovido de fendas) que representava o rosto horrível e desfigurado da fúria Tisífone. Com efeito, os gemidos que saiam da máscara se pareciam com o ladrado de um animal silvestre ferido a morte ou, mais ainda, com o lamento inumano duma criatura infernal. O público apreciou bastante o efeito cênico do capacete e um apaluso comprido saiu espontáneo das arquibancadas. Mais ela gemia, mais o público masculino se excitava, mais as matronas se compraziamÂ…

O horrível suplício durou um tempo interminável. Ãria perdeu totalmente o controle de seu corpo e, a um certo ponto, chegou a urinar sob o olhar divertido de dois mil espectadores que saudaram o evento com uma fragorosa risada acompanhada de aplausos e elogios à profissionalidade do carrasco que soubera prolongar ao máximo a tortura, sem que a ré chegasse a desmaiar.

O imperador ordenou um intervalo durante o qual dois cantores, acompanhados por cítaras, evocaram as angústias da bela Andrámeda acorrentada nua ao penhasco escolhido pelo monstro marinhoÂ…

A meia-noite já tinha passado e o suplício de Ãria não estava nem perto da metadeÂ…

O público não se contentava de ver apenas o sofrimento físico da ré: queria também contemplar o colápso moral da pobre escrava. Nesse sentido o césar tinha planejado as coisas direitinho: os espectadores deviam, através do entretenimento, perceber, ao mesmo tempo, tanto a inflexibilidade quanto a criatividade do poder imperial.

A máscara de bronze foi retirada enquanto os ajudantes puxavam duas pequenas alavancas situadas na parte inferior da mesa. A primeira alavanca comandava um falo de marfim (maior e mais curto que um pênis humano) que entrou totalmente na boca de Ãria. Um segundo falo penetrou obliquamente na vagina da moça. Um terceiro pênis de marfim foi enfiado no ânus da condenada. Era mais comprido que um falo masculino e a mão direita da moça, embora atada atrás das costas (mas agora um pouco mais livre que a esquerda), podia mexer com a parte que salientava do ânus e até desfiá-lo parcial mas não totalmente, pois uma correntinha segurava-o à mesa de tortura.

O falo que ocupava a boca da escrava era oco e continha uma esponja ensopada de água fresca adocicada com mel. Um pouco do líquido saia de furos invisíveis praticados no marfim e a pobre menina, exausta e sedenta, tentava saciar a sede que a atormentava. Mas nem podia imaginar o tamanho da perversa fantasia do príncipeÂ… Ela não sabia que, dissolvido na água, estava um potente afrodisíaco preparado por um médico árabe da corte imperial. Ainda muito machucada, com a metade posterior do corpo dolente, a jovem começou a sentir uma sensação estranha, um calor nos seios, um frio na barriga, um prurido interior absolutamente inusitado. Instintivamente, quase sem perceber, mexeu lentamente seus quadris na tentativa de acalmar o prurido no ventre esfregando o falo nas paredes internas da vagina. Mas esse movimento era limitado tanto pelo cinturão que segurava a sua cintura quanto pelas cordas que fixavam firmemente as coxas à tábua; ademais o pênis que devia ajudá-la a aplacar o prurido era curto e sutil: estimulando o clitáris, sua ação amplificava em vez de lenir a necessidade impelente que ela tinha de se esfregar.

Embora acanhados, os movimentos dos quadris de Ãria foram notados pelos espectadores que acompanhavam o desenvolvimento da cena com a maior concentração. Em menos de dez minutos o rebolado da moça tornou-se bem mais evidente: a escrava iniciou a gemer baixinho, mas a acústica da arena era tão perfeita que o público podia ouvir até o coração dela que continuava acelerando, acelerandoÂ…

Quando dois ajudantes apertaram os mamilos da condenada com pequenos prendedores de cobre, um interminável gemido indicou que a mente de Ãria sá continha um único e avassalador desejo: chegar ao orgasmo! Ãria estendeu os dedos da mão direita até alcançar a parte externa do falo no ânus, mas logo os retirou, ainda dominada pela vergonha de estar diante de duas mil pessoas. Três vezes repetiu o gesto sem ter a coragem de manipular o único pênis que podia escorrer livremente em sua fenda posterior. Enfim segurou o cabo com três dedos e deu início a um movimento de vai-e-vem que lhe proporcionava ondas de prazer desumano. Sem parar de mexer os quadris, Ãria enfiava e retirava aquele maravilhoso instrumento (ora o segurava firme com todos os dedos) em moto rítmico e acelerado, sem se importar com o murmúrio crescente do público. Quando alcançou o orgasmo, seu grito misturou-se àquele do público delirante.

Todos olharam para o imperador e uma longa ovação espalhou-se pelas arquibancadas, mas o soberano, com o braço direito estendido, impôs a calma e apontou na direção do centro da arena. Ãria, que por uns poucos minutos esteve absolutamente imável como se fosse morta, reiniciou o movimento dos quadris e, mais resoluta que antes, afundava o falo em seu ânus em busca de um segundo orgasmo. Rapidamente, enquanto chupava furiosamente o outro falo que tinha na boca, alcançou o clímax entre os aplausos do público jubilante. O desejo desencadeado pelo afrodisíaco foi tamanho que a moça teve que se masturbar uma terceira vez para aplacar a sede de prazer que preenchia todas suas fibras. Enfim desfaleceuÂ…

Todos louvaram a sabedoria imperial que soube proporcionar um espetáculo inesquecível, e somente poucos espectadores notaram que o soberano estava envolvido numa disputa verbal com o amigo senador. Os dois cochichavam e não dava para entender as palavras, mas era patente que o desacordo entre eles era total e estava relacionado com os acontecimentos daquela noite. A posição do senador era conservadora: ele afirmava que Ãria tinha se masturbado apenas por ter sido dopada com um afrodisíaco e que a dor em si não podia estimular o desejo sexual. O imperador, mesmo reconhecendo um fundo de verdade na teoria do senador, defendia a tese que todas as mulheres, se castigadas e humilhadas oportunamente, instintivamente procuravam o prazer sexual. O césar mandou que o carrasco se aproximasse e entregou-lhe um bilhete contendo algumas instruções.

O algoz foi até a mesa e retirou o falo da boca de Ãria enquanto um ajudante derramava água fria nos ombros dela. Logo em seguida pegou uma espora de prata, formada por uma dúzia de pontas aguçadas, e começou a picar o corpo da menina furando as costas, os braços, a lateral dos peitos, as nádegas, as pernas e as mãos. Ãria gritou e implorou que a nova tortura cessasse, mas em vão. O algoz insistiu com afinco nos pontos que o açoite tinha poupado, como, por exemplo, a lateral externa das coxas e as canelas. Terminada a tortura, o carrasco e seus ajudantes colocaram uma almofada de urtigas debaixo dos peitos da escrava. O grito da ré foi intenso; mas o algoz, insensível a tanta dor, desatou os joelhos de Ãria e posicionou uma segunda almofada de urtigas na parte interna das coxas. Depois reatou com força as pernas da coitada.

Agora era sá esperarÂ… No entretempo uns anãos divertiam o público mimando as várias fases do suplício: um deles, com enormes nádegas postiças, era perseguido e chicoteado por outros três que ocultavam seus rostos com máscaras de porco. Os espectadores adoraram tanto a farsa que riram até encher seus olhos de lágrimas.

Terminada a pantomima, a atenção do público voltou-se de novo ao suplício da escrava. Todos eram ansiosos de saber se ela ia novamente a procura do prazer ou se as novas torturas a desestimularam de vez. Tanto nas arquibancadas como no camarote imperial os espectadores começaram a fazer suas apostas. Os homens (com a exceção do imperador e poucos outros) eram os mais cépticos, enquanto que não poucas matronas afirmavam que Ãria ia ser puta descarada até a morte (sendo elas mulheres, na medida em que o assunto era putaria, decerto entendiam da matéria bem mais de que seus maridosÂ…).

Como se acordasse de um longo letargo invernal, vagarosamente a moça reiniciou aqueles estranhos movimentos de coxas e quadris. Tentava procurar uma posição diferente, mas não podia. Forçava as ataduras, e as cordas e os cintos rangiam. Procurava soltar-se, mas não conseguiaÂ… As almofadas de urtigas, umedecidas com vinagre, queimavam seus seios, suas coxas e os lábios vaginais. Como um grande pássaro ferido buscava energia para levantar vôo, mas desistia cada vez mais esgotada. Quem apostara na queda definitiva de Ãria já sentia as moedas tilintar em seus bolsos; as matronas cada instante mais inquietas. Mas eis que, o resto do corpo absolutamente imável, a mão de Ãria segura o pênis de marfim e, com movimento deciso, o finca no ânus empurrando-o o mais profundamente possível.

Nas arquibancadas uma explosão simultânea de gritos, assobios, vivas e aclamações. Em poucos minutos um novo orgasmo acompagnado por um interminável aplauso. O sorriso seráfico do imperador ilumina a arena: o tripúdio é geralÂ…

Mas nem todos porém são satisfeitosÂ…

Não o são os que perderam a aposta; entre eles o ácido senador que acredita ser esse último orgasmo um efeito tardio do afrodisíaco, e nada adianta o médico de corte explicar que o efeito se exaurira poucos minutos depois do falo impregnado ser retirado da boca da condenada. Quanto às matronas, se de um lado a maioria delas ganha um bom dinheiro, pelo outro as desagrada profundamente constatar que a escrava puta continua alcançando o prazer, enquanto o rigor da lei exige torturas até a morte. De tudo isso o imperador é ciente. Consentindo com as objeções do senador, ordena, portanto, que o suplício continue com a prova do fogo, mas com uma ressalva, uma aposta, que o senador aceita prontamente...

Dois ajudantes apanham um trípode em cujo topo um fogareiro esquenta uma vasilha cheia de áleo fervendo. Dentro dois pincéis: um mais largo, outro mais fino. O carrasco pega o pincel maior e, com mestria, começa a pincelar as plantas dos pés de Ãria. Um grito ferino dilacera a arena. Ningém fala ou comenta. Ninguém aplaude: a tensão é máxima. O trabalho do algoz prossegue calmo e racional e, para que os gritos dissonantes da ré não cheguem a ferir os ouvidos do público, sua cabeça é novamente trancada no capacete de bronze. O carrasco distribui o áleo em camadas sucessivas servindo-se do pincel menor para molhar a tez entre os dedinhos da jovem. As plantas ficam logo brilhantes, da cor do cinabre. Ãria procura desesperadamente livrar suas extremidade, mas os grilhõs e as cordas nos tornozelos, e as argolas de bronze nos polegares, frustram todas as tentativas. Os homens na arena espreitam, excitadíssimos, cada movimento milimétrico dos pés de Ãria. As matronas, mais cínicas, dissimulam seu sádico prazer ocultando o rosto atrás de mantilhas vermelhas. Apesar do calor da noite estiva, o silêncio é glacial.

Da máscara de bronze sai um bramido cuja intensidade, crescente no início da tortura, vai extinguindo-se meia hora depois. Um árgão toca uma melodia triste enquanto duas dançarinhas mascaradas de aves, uma diurna, outra noturna, executam uma sequência de movimentos simbolizando a vida arrebatada pela morte. Ãria para de gritar: o suplício cessaÂ…

Um vento galhardo começou a dobrar a ponta dos ciprestes que circundavam a arena, seguido por uma rápida chuvinha que refrescou um pouco as arquibancadas do pequeno anfiteatro. A pele de Ãria ficou molhada; as gotas lustrais lavaram a poeira, o suor e o sangue. Como uma flor ressequida exposta ao benéfico efeito de chuvas outonais, a moça, embora bastante provada, recuperou seu viço, sua força vital de adolescente.

E o desejo renasceu em suas carnes como a mítica fênix renasce das práprias cinzas. Mais uma vez a escrava não demorou a encontrar o caminho do prazer corroborando, assim, a tese do imperador. O aplauso foi caloroso, singelo e, principalmente, geral. A sensação que, pelo menos uma vez, a vida tinha sido mais forte que o fado reconciliou todos os espectadores, inclusive as matronas.

Dois atores, representando respectivamente Orfeu e Euridice, apareceram no palco da arena mimando o momento em que o herái consegue resgatar a mulher amada das furnas do AvernoÂ… eles também foram fragorosamente aplaudisos.

O senador, acahnado e derrotado, olhou, cabisbaixo, para o imperador e pediu que um criado lhe trouxesse uma bolsa de couro. A bolsa, cheia de moedas de ouro, foi entregue a um secretário da corte: seu valor seria depositado nos cofres do erário público (confome à lei romana) como indenização pelo resgate duma condenada a morte que, a partir daquele momento, em virtude da aposta, passava a ser propriedade pessoal do imperador.

É evidente que o césar, como representante supremo da legalidade, não podia mostrar a menor fraqueza resgatando a ré filha dum inimigo público, nem se ela fosse mais linda que uma deusa. Contudo, sua profunda experiência de domador de fêmeas serviu-lhe para alcançar o resultado almejado: salvar a vida de Ãria e fazer dela a sua favorita nas alcovas imperiais.

Era assim caro(a) leitor(a) que os antigos Romanos transcorriam suas noites de verão. Depois vieram os filásofos e, mais recentemente, os médicos e nos disseram que esse tipo de diversão era diabálica ou, no mínimo, passatempo de insanos e tudo (ou quase) ficou diferente.